segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Discos clássicos, notas e escritores, ou o motivo de não sermos novos Nostradamus


Por Marcos “Big Daddy” Garcia


Nós, escritores do cenário Metal, temos muitas responsabilidades a cada letra que postamos em qualquer tipo de texto. Mas as resenhas de discos são as de maior peso. Há muita coisa envolvida, mas por hoje, pretendo falar da questão dos chamados discos clássicos com aqueles que escrevem, e sobre notas aferidas.

Antes de tudo, é preciso conceituar o que é um disco clássico.

Não sei se todos possuem a mesma idéia, mas de uma forma pessoal, este autor adota o pensamento de que um disco clássico não um disco marcante ou o ápice criativo (musicalmente falando) de uma banda, mas sim um disco que se torna uma referência para um determinado gênero. E em geral, os discos clássicos servem para a canonização de um gênero. “Cânone” é uma palavra hebraica que significa “vara”, um instrumento de medida usado na antiguidade pelo povo em questão, logo, “canonizar” uma vertente do Metal ou um estilo musical qualquer é aferir suas características mais fundamentais, aquilo, mesmo variando de banda para banda, não muda.

Um bom exemplo: óbvio que fãs do METALLICA tendem a ser exagerados em suas opiniões, mas “Metallica” (o famoso “Black Album”) não seria considerado um clássico dentro desses parâmetros. E notem que este é o maior sucesso comercial do grupo. O disco do quarteto que se enquadraria no rótulo de “clássico” seria “Master of Puppets”.

Explicando: não é pelo seu conteúdo musical, já que a banda já havia apresentado o Thrash Metal ao mundo em “Kill ‘Em All”, mas porque “Master of Puppets” é o Santo Graal do Thrash Metal, o disco que definiu como o gênero iria soar. E ele virou molde justamente por sua gravação seca, bem feita e que deixa as melodias fluírem sem que se perca a agressividade. Se pararem para pensar, qual banda de Thrash Metal não seguiu este padrão depois do “Master...” ser lançado? Nem mesmo o SLAYER fugiu dele, buscando sempre soar limpo, mas com agressividade (e no caso deles, essa agressividade flui dos timbres que Kerry King e seus comparsas escolhem para tocarem). Antes de “Master...” vir ao mundo, ou se tinha gravações de Metal tradicional (o “Ride the Lightning” é assim), com as melodias muito evidentes e a agressividade ficando em segundo plano, ou o oposto: gravações muito sujas e as melodias acabavam mais subjetivas.

Perceberam?


Ainda tendo “Master...” como exemplo, quem o tornou um clássico do gênero?

Eis o ponto chave: não foi a crítica. Não, não fomos nós, escritores de Metal, que lhe conferimos esse status.

Por isso disse que autores de resenhas não são Nostradamus, o conhecido profeta: não temos condições de saber o futuro, não sabemos nem mesmo o que ocorrerá em meros 5 minutos. E como poderíamos nos dar o direito a aferir que um disco se tornará um clássico?

Mesmo “Master...” não foi entendido de todo quando saiu.

Muitos fãs acharam aquela gravação estranha na época (eu sei por ser da época), e alguns críticos que trituraram o disco. Ainda podem ser encontradas referências a esses “reviews” na internet.

Creio que o leitor se pergunta “como pode um escritor falar mal de um disco clássico?”, mas a resposta é simples, batendo na mesma tecla: nenhum crítico vê o futuro. Nenhum de nós tem como prever a mais ínfima possibilidade de um disco se tornar um clássico ou não. Nem nós, e nem ninguém. Hoje, é fácil olhar para 1986 e aferir que “Master...” é um clássico, e o que qualquer um via na época é que o METALLICA havia lançado mais um grande álbum. Mais nada.

A única coisa que pode nos dar um “insight” se um disco se tornará um clássico ou não é o tempo. Sim, o tempo, pois conforme ele vai passando, o disco em questão vai assumindo o papel de “planta baixa”, ou seja, se tornando uma referência sonora, não importando o que o crítico diga sobre ele.


Alguns exemplos: o finado Lester Bangs crucificou o primeiro disco do BLACK SABBATH na revista Rolling Stone. O mesmo ergueu altares para “Metal Machine Music” de Lou Reed (de quem ele era fã incondicional, segundo boatos) como o “melhor disco já feito”.

Eis os reviews de ambos:



Deixando de lado o que penso particularmente do finado (que é referenciado como o maior crítico de Rock da América por Jim DeRogatis, conforme podem confirmar aqui), isso já demonstra bem como não prevemos o futuro. Aliás, julgamos um disco conforme o presente, algo que muitos leitores não concebem.

Em termos de Brasil, creio que há casos interessantes: tanto o EP “Apocaliptyc Raids” do HELLHAMMER como o EP “Morbid Tales” do CELTIC FROST foram massacrados por aqui (o do HELLHAMMER, então, em muitas revistas pelo mundo). O próprio “Seven Churches” do POSSESSED tomou um 7,5 em um review por aqui, onde a banda foi chamada de repetitiva pelo autor. Não, não estou criticando os colegas, pois entendo que, na época, essas bandas realmente soavam muito estranhas. Hoje, vocês podem idolatrar os discos e chamar cada um deles de clássico (como o são), mas na época em que o Metal extremo ainda estava engatinhando, como julgá-los com mais profundidade, com conhecimento de causa? Já pensaram no choque que um fã de bandas como URIAH HEEP, BLACK SABBATH ou DEEP PURPLE teria ao ouvir os discos acima? E lembrando que eram anos de puro radicalismo e amadorismo, logo, procuro não responsabilizá-los por errarem. Poucos acertariam.


Em contrapartida, na mesma edição da publicação que me refiro e que possui o review de “Seven Churches”, duas resenhas tiveram notas bem altas, mas são de bandas do segundo time: “Open the Gates” do MANILLA ROAD, e o primeiro álbum do NASTY SAVAGE. Nota máxima para ambos, e muitos fãs sequer ouviram esses discos até hoje. E antes que pensem besteiras, não estou dizendo que eles não merecem essas notas. Podem merecer, mas não são clássicos, não se tornaram fundações de algo novo. Mas “Seven Churches”, com 7,5, o é.

Por isso eu bato na tecla: julguemos o disco no tempo atual, e esqueçamos o futuro. Se ele se tornará um clássico ou não, somente o tempo dirá.

Aproveitando, gostaria de abordar mais um tema correlacionado a este: notas de discos e essa noção de “clássico”.

Aparato encontrado com alguns integrantes de bandas por conta de resenhas negativas...

Já notei que existem várias correntes de pensamento entre os escritores: alguns adotam que 10 seria para um disco clássico (da qual eu discordo completamente pelos motivos já expostos), outros que 10 é um disco que satisfaria a todos. Neste último caso, nunca se daria 10, já que nunca existirá um disco que irá conseguir agradar gregos e romanos. E dele eu discordo completamente.

Elucidando o meu pensamento: sou um Metalhead com 34 anos de Metal nos ombros. Desta forma, li muitos reviews das mais variadas formas, e mesmo de pensamentos diferentes. E a forma que eu adoto (que não sei se faz parte desta ou daquela corrente de pensamento) é simples, e a grosso modo, é esta:

1. Ouço o disco - Não necessito de gostar da banda/estilo em questão.

2. Analiso a proposta sonora da banda - se é algo diferente ou não do que já existe, e como o grupo aborda sua sonoridade, e se possui personalidade.

3. A produção sonora - Em especial, não me preocupo se a qualidade sonora é do nível do IRON MAIDEN ou do DARKTHRONE, mas se ela está adequada ao que o grupo se propõe. Óbvio que a banda precisa se fazer entender, mas não adoto um modelo de qualidade sonora como “a mais correta de todas”. Mas óbvio que se vier algo muito cru ou sujo além do ponto, vou abrir a boca (ou digitar, como queiram).

4. As músicas em si - Se possuem energia, pegada e se não existem variações no nível de qualidade musical durante o CD. Lembro que músicas como “Flash of the Blade” do “Powerslave”, e “Gangland” do “The Number of the Beast” (ambas do IRON MAIDEN) acabam caindo nesse grupo das músicas que destoam do conteúdo. E este tipo de canção pode ser ruim, pode ser bom, mas não está no patamar das outras, e isso não é questão de gosto pessoal. É uma comprovação empírica.

Óbvio que existem mais considerações, mas de forma bem direta, é isso.

E não tenho problemas com a nota 10, já que quem me diz isso não é um formato pré-estabelecido de crítica, uma decisão editorial, mas apenas o disco em si. Esse é meu foco, nada mais. E se percebo que o disco é perfeito em tudo, não tenho motivos para negar a nota mais alta porque algo me impede. Mesmo porque se eu fosse obrigado a seguir padrões, eu desistiria, pois isso me tiraria a liberdade que gosto de ter.

Encerrando, gostaria de frisar mais uma vez que não estou criticando meus colegas escritores, não desejo mudar o mundo, mas que as pessoas pensem. Isso mesmo, que elas pensem por si mesmas.


Afinal, somos todos fãs de discos que, sejam clássicos ou não, nós gostamos.

No mais, podem comentar, sugerir, criticar e procurarei ler cada opinião dada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário