2017
Selo: Independente
Nacional
Tracklist:
1.
Canudos
2.
Belo Monte
3.
Não Temos Nada a Temer
4.
O Minuto Antes da Batalha
5.
Carpideiras
6.
A Conselheira
7.
Sonho Acabado
8.
Cocorobó
9.
Araçá do Peito Azul de Lear
10. Gravata
Vermelha
11. Liberdade
12. Favela
13. Ordem
e Progresso
Banda:
Carlos “Vândalo” Lopes - Vocais, guitarras
Cláudio “Cro-Magnon” Lopes - Baixo
Américo Mortágua - Bateria
Contatos:
Site Oficial: http://www.dorsalatlantica.com.br/
Twitter:
Youtube:
Instagram:
Bandcamp:
Assessoria: http://www.blacklegionprod.com (Black Legion Productions)
E-mail: dorsal@dorsalatlantica.com.br
Texto: Marcos “Big Daddy” Garcia
Um dos episódios mais tristes, e ainda assim inspirador, da história de
nosso país é, sem sombra de dúvidas, a Guerra
de Canudos.
Para aqueles que não conhecem bem a história, o conflito
ocorreu entre 1896 e 1897, quando o exército brasileiro entrou em combate
contra integrantes do arraial de Canudos,
no interior da Bahia, e que era liderada pelo Beato Antônio Conselheiro.
O crime: a comunidade de Canudos era um arraial onde os menos favorecidos, sempre
humilhados pelos grandes senhores da produção agropecuária de nosso país e abandonados pelo poder público, se
reuniam e produziam para si mesmo os alimentos e viveres necessários. E pela
orientação de Antônio Conselheiro
(um líder social e religioso), tudo era partilhado de forma igualitária entre
todos os habitantes do arraial (que ele batizara de Belo Monte). Nele, os
excluídos e pobres, bem como os recém-libertos escravos, tinham um lugar no mundo onde poderiam ter uma vida simples,
mas muito menos amarga e sofrida do que a alternativa oferecida pelo governo do país ou os
grandes coronéis das fazendas, sob as bênçãos da igreja.
Antônio Conselheiro sofreu um longo e penoso processo de difamação pública, onde
fora alegado que ele seria defensor da monarquia, e que os habitantes
de Canudos iriam buscar reinstaurar um governo monárquico com armas compradas pela Princesa Isabel. Até mesmo fora
acusado de loucura, tese que até os dias de hoje impedem o reconhecimento dele
como um líder comunitário empreendedor. No fundo, Conselheiro seria,
aos olhos de todos os mais atentos, um homem que queria apenas dar uma opção
de vida melhor aos menos favorecidos, usando uma visão religiosa voltada ao cristianismo
bíblico original, citado em Atos dos Apóstolos (capítulo dois, versículos 44 a
47), onde tudo era dividido entre todos.
Canudos resistiu e
rechaçou três expedições militares, caindo diante da quarta. A opinião pública exigiu a aniquilação
total do arraial, e assim, o sangue de 20.000 pessoas regou o sólido árido do
sertão baiano. Muitos foram degolados, e o cadáver de Antônio Conselheiro (que morrera poucos dias antes do final da
guerra, possivelmente tendo por causa
mortis disenteria) foi retirado de seu túmulo e decapitado, e sua cabeça
enviada para análise na Faculdade de Medicina de Salvador, onde seria examinada
Dr. Nina Rodrigues (a ciência da
época tinha a crença de que “a loucura, a demência e o fanatismo” deveriam apresentar
alterações de seu rosto e crânio). Em 03/03/1905, um incêndio atinge a antiga
Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em Salvador (BA), destruindo a
cabeça de Antônio Conselheiro (que
lá estava desde o final da guerra de Canudos).
Triste, mas inspirador para todos aqueles que, independente
de orientação política, acreditam em um mundo melhor, e que Conselheiro teria sido um homem de
visão.
E tendo este tema histórico rico como fundo, eis que o trio carioca DORSAL
ATLÂNTICA vem com seu disco mais recente, “Canudos”, e mais uma vez, mostram que continuam sendo pioneiros.
O estilo do grupo continua sendo o mesmo de sempre, aquela
mistura de Metal e Hardcore cheia de energia, que tem a crueza dos anos 80, mas
que nas mãos da banda ganha um brilho cheio de vida. Ou seja, diferente de
muitos, o som do grupo não soa velho ou datado, mas com uma agressividade
enorme, e disposto a continuar ensinando sua filosofia musical destruidora de
ouvidos a todos. Isso é o que o DORSAL
ATLÂNTICA oferece, e acredite: é de primeira!
Ao falar da questão da produção sonora, é preciso ter em
mente que o grupo sempre busca uma sonoridade mais visceral e crua. Por isso, a
qualidade é muito boa e orgânica, casando perfeitamente com a proposta
sonora do disco. Os timbres são os mais simples que se possa ter, de forma que reflitam um
tipo de som próximo ao que se ouve em shows. E embora a estética seja simples, o
trabalho de Carlos Lopes na
produção, mais a captação e mixagem de Elton
Bozza no Superfuzz Studio (SP), e
a masterização de Gabriel Zander no Costella Studio (SP) são garantias de
que tudo funcionasse como a concepção de “Canudos”
demanda.
Foto de Antônio Conselheiro tirada por Flávio de Barros. |
Musicalmente, “Canudos”
representa um lado mais maduro do DORSAL
ATLÂNTICA, uma vez que no meio da massa sonora da banda se percebem algumas
passagens que remetem aos ritmos regionais do Nordeste (como fica claro em “Favela”), mas o foco é mesmo aquele
Hardcore Metal/Metal Punk com jeitão Thrash que o trio sempre fez. Além disso, o
lado militante e consciente surge porque essa obra não só fala do passado, mas
do presente. Sim, os temas de “Canudos”
perfazem a atual situação política/social de nosso país, já que apesar das
mudanças visíveis, a alma do governo atual é a mesma dos tempos de Prudentes de Moraes (que iniciou a
ofensiva contra Canudos e autorizou a carnificina), que
promove os mesmos genocídios que Deodoro
da Fonseca e Floriano Peixoto,
que demanda o sangue dos pobres como Getúlio
Vargas em seu período ditatorial (que chacinou sem dó os cangaceiros), e
mesmo no período do Regime Militar (quantas vidas não foram ceifadas nos porões
do DOI CODI). Entre eles e Michel Temer, a diferença é apenas o tempo e a
metodologia, mas o sangue derramado e as injustiças não mudam.
O disco abre com a instrumental intimista “Canudos”, que antecede a agressividade
Metal/HC de “Belo Monte”, onde se
percebe as mudanças de tempo ótimas da base rítmica (Belo Monte é o nome dado
por Conselheiro a Canudos,
representando a esperança de uma vida melhor para os desfavorecidos, inclusive
citando a profecia que o sertão iria virar mar), seguida da força impactante de
“Não Temos Nada a Temer”, onde as
guitarras mostram riffs incríveis (se repararem existe uma ligação poética
entre o passado e o presente do Brasil nas letras). Toques regionais surgem nas
melodias de “O Minuto Antes da Batalha”,
com um ritmo um pouco mais cadenciado (onde vemos um discurso de Conselheiro, que fala os nomes do
Tenente policial Manuel da Silva Pires
Ferreira, de Febrônio de Brito, do
carniceiro Moreira César, Artur Oscar, bem como denuncia a falácia
de que os canudenses iriam lutar contra a república). “Carpideiras” é uma triste instrumental de guitarras, absorvendo o
significado de seu título, antecedendo as linhas harmonias rascantes de “A Conselheira”, onde os vocais vão
trazendo aquele velho carrego agressivo dos anos 80 (e a letra narra
basicamente a estruturação do arraial, dos postos e lideranças). Um ar que
remete diretamente ao clima denso de “Antes
do Fim” surge em “Sonho Acabado”,
com uma construção musical mais simples e que beira o HC, mas cheia de uma
crueza energética de primeira e de ótimas guitarras (a letra traça um paralelo
do fim de Canudos com outros
momentos históricos do Brasil, onde as forças ocultas do poder mataram tantos
que buscaram melhorar o país). Em “Cocorobó”, o clima agressivo continua,
a mesma energia crua do grupo, apenas com uma estética melódica mais apurada,
além do peso bruto de baixo e bateria (Cocorobó é um açude da região, que veio
a inundar a região original de Canudos, cumprindo a profecia de Antônio Conselheiro, mas a letra fala
da encarniçada luta que levou ao fim de Belo Monte). Um toque subjetivo de Rock
anos 70 surge em “Araçá do Peito Azul de
Lear”, uma canção com peso e uns toques psicodélicos que encaixaram como
uma luva (o nome da canção é de um pássaro típico da região, as letras já fazem
referência ao dilúvio causado pelo açude meio século depois da guerra). A força
dos tempos de “Alea Jacta Est” surge
com muita fúria em “Gravata Vermelha”,
contrastando com melodias intensas e muito peso, com mais uma aula de mudanças
de timbres dos vocais (e o título é uma referência à degola dos canudenses,
algo que ocorreu, quebrando a promessa feita de que não existiriam execuções,
já que o poder político não possui honra e não cumpre suas promessas, algo que
vemos pela história da república de nosso país). “Liberdade” mostra-se regada de ritmos regionais em meio ao peso abrasivo
dos arranjos de guitarras e vocais, assim como surgem em “Favela” e seu andamento eclético e bem feito, enquanto a
brutalidade e agressividade imperam em “Ordem
e Progresso”, que fecha o disco com uma golfada de fúria HC. As letras
delas são uma lembrança do legado de liberdade, do sonho de igualdade chamado Canudos
(“Liberdade”), que o legado do poder
público em todas as suas instâncias é a opressão e a destruição da dignidade
humana (“Favela”), e que para
alcançar o sonho de um mundo melhor, é preciso lutar, resistir até o fim e sem
ceder, já que entre lindas, recatadas e do lar, conservocratas sujos que oram
em nome de Deus, mas amam somente o dinheiro e o poder (“Ordem e Progresso”). Todos novos
senhores das senzalas, todos os novos demônios denunciados por Antônio Conselheiro no passado.
No mais, “Canudos” é
uma opera Rock de primeira qualidade, e já figura entre os grandes discos feitos
no Metal brasileiro.
“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na
significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”. (Euclídes da Cunha - Os Sertões)
Nota 10,0/10,0
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