2017
Selo: Napalm Records
Importado
Nota: 10,0/10,0
Tracklist:
1. Em Nome do Medo
2. 1755
3. In Tremor Dei
4. Desastre
5. Abanão
6. Evento
7. 1 de Novembro
8. Ruínas
9. Todos os Santos
10. Lanterna dos Afogados
Banda:
Fernando Ribeiro - Vocais
Ricardo Amorim - Guitarras, teclados
Pedro Paixão - Teclados, samples, programação, guitarras
Aires Pereira - Baixo
Miguel Gaspar - Bateria
Contatos:
Site Oficial: https://www.moonspell.rastilho.com/
Facebook:
http://www.facebook.com/moonspellband
Twitter: https://twitter.com/moonspell
Instagram: https://www.instagram.com/moonspellofficial/
Bandcamp:
Assessoria:
E-mail:
Texto: Marcos “Big Daddy” Garcia
Discos conceituais, em geral, nascem da ideia de um músico (ou
banda) sobre um tema que pode ser fictício ou real, e mesmo quando falamos do
segundo grupo, podemos ver apenas uma parte do que se trata, ou seja, o assunto
pode ficar subaproveitado.
Localização estimada do sismo de Lisboa de 01/11/1755, |
Para início de uma longa conversa: o tema central de “1755” é o grande Terremoto (ou Sismo)
de Lisboa, ocorrido no dia 01/11/1755, entre 09h30min e 09h40min da manhã
(horário local). Era Sábado, manhã do Dia de Todos os Santos (lembrando que
Portugal era até então um país assumidamente católico e opositor à Reforma
Protestante), logo, as ruas da cidade e igrejas estavam abarrotadas. As estimativas
atuais (já que não existem dados do evento na época de sua ocorrência) falam que
a intensidade do sismo foi de algo em torno de 8,5-9,0 na escala de Magnitude
de Momento, um terremoto extremo, e que como referencial comparativo ao leitor, é preciso dizer que o Sismo de Tōhoku (em 11/03/2011, no Japão) atingiu 9,1 nesta mesma escala.
As coordenadas estimadas (mais uma vez: não existem dados do
evento) do epicentro do sismo são 36°N 11°O a 200 km a Oeste-Sudoeste do Cabo
de São Vicente, e a uma distância entre 100 e 500 km de Lisboa. O sismo ocorreu
próximo da fronteira entre as Placas Tectônicas Eurasiática e Africana (uma
zona de subducção, onde a Placa Africana subducta sob a Placa Eurasiática). Em
termos de catástrofe, a cidade foi arrasada pelo sismo, pois apesar da pouca
duração (a duração do evento em si é algo em torno de 3 minutos e meio até seis minutos).
Muitas pessoa fugiram dos desabamentos indo para a zona portuária da cidade. Lá, viram o recuo das águas do mar, revelando o fundo
oceânico repleto de destroços e cargas perdidas. E 40 minutos depois, veio o tsunami
que atingiu a cidade com uma onda que teve altura estimada entre 6 a 10 metros,
seguida de outras duas. A área portuária de Lisboa e suas partes mais baixas
foram inundadas, e a energia das ondas foi tamanha que elas chegaram a subir pelo rio Tejo, pegando de surpresa os que estavam em fuga. Aquelas áreas da cidade que não foram devastadas pelas águas foram, enfim, consumidas por vários incêndios, que levaram até cinco dias para serem controlados. O fogo destruiu inclusive a Livraria do Rei José I,
cheia de pergaminhos, livros raros e pinturas de Ticiano, Rubens e Correggio. O rei sobreviveu, pois
estava em outra cidade (Santa Maria de Belém), mas devido à catástrofe, nutriu fobia por prédios
pelo resto da vida, preferindo morar em um complexo de tendas no Alto da Ajuda,
em Lisboa.
A estimativa de mortes vai de 10.000 até 100.000 pessoas, e
o Terremoto de Lisboa deu ainda mais ênfase às muitas mudanças de ordem
política, social, econômica, filosófica e mesmo religiosa que já ocorriam no
país, além de ver o nascimento da Sismologia moderna (tudo graças ao pensamento
Iluminista do Marquês de Pombal,
adepto do pensamento do Despotismo Esclarecido).
4 parágrafos usados apenas para descrever um tema que o MOONSPELL discorre em 9 canções.
Falemos dos aspectos musicais da obra em si.
Para quem conhece o quinteto de longa data, sabe que eles
transitam em um meio termo entre suas influências extremas de seu início de
carreira com uma estética elegante e melódica que resgata elementos do Doom
Metal e do Gothic Rock. E diferente do que se ouve em “Night Eternal” e “Alpha
Noir/Omega White” (que têm uma estética mais seca e agressiva) e em “Extinct” (onde eles usaram bem mais de
seu lado Doom/Gothic), em “1755” o MOONSPELL acha um ponto de equilíbrio
entre estes dois aspectos de sua personalidade, ora mais seco e agressivo, ora
mais denso e introspectivo, e ora ambos fundidos de maneira homogênea. Mas
adicionem a isso orquestrações fantásticas, corais wagnerianos, ritmos étnicos
e uma infinidade de experimentalismos que enriquecem o trabalho dos Lobos de
Lisboa, fora as letras totalmente no idioma lusitano, reforçando a poética
rebuscada que usam há anos.
Sim, o MOONSPELL
se superou mais uma vez...
A banda buscou novamente as mãos de Tue Madsen (com quem trabalharam em “Alpha Noir/Omega White”) para a produção. Tudo para buscar uma
sonoridade que pudesse transmitir a gama de sentimentos que permeiam “1755”, já que a música vai da
melancolia à agonia, do medo à revolta, do terror da morte à dor e esperança da reconstrução, algo que a instrumentalmente a banda
faz, mas era preciso uma qualidade sonora bem feita, e Tue conseguiu. A qualidade está limpa, densa e agressiva, mas perfeita para o que o quinteto queria explorar.
E, além disso, os timbres de cada instrumento foi escolhido com sobriedade.
Capa da versão em vinil. |
Com o mesmo pioneirismo herdado daqueles que foram os
primeiros a enfrentar os mares desconhecidos, o MOONSPELL também ousa bastante em “1755”, foge do ponto comum e cria possibilidades a serem
exploradas no futuro, já que o uso dos elementos já mencionados é uma inovação
para o quinteto. Além disso, o grupo flerta com uma complexidade de arranjos um
pouco maior que antes, embora não destoe ou danifique a personalidade musical
que cultivam a 25 anos de muito trabalho.
“1755” se inicia com uma nova versão para a introspectiva “Em Nome do Medo”, que originalmente é
de “Alpha Noir/Omega White”, embora
esta nova tenha alguns elementos diferentes orquestrais, pianos e teclados,
além de ótimo trabalho de vocais, especialmente nos corais. Estes mesmos corais
surgem para ambientar “1755”,
evocando a aura religiosa do Dia de Todos os Santos, uma canção de impacto forte,
mostrando a agressividade crua e cheia de energia, mas sempre requintada, da banda,
onde surgem ritmos orientais em meio à catarse musical, e se percebe a força
das guitarras do grupo (especialmente nos solos) se manifesta. Riffs sujos se
entremeiam com corais, e o andamento abrasivo de “In Tremor Dei” desfila toda a perplexidade e medo diante do
desastre e a desilusão com a fé, tendo a presença do cantor Paulo Bragança nos vocais, trazendo
assim um sutil toque de Fado (ritmo musical tradicional de Portugal) à canção. Em “Desastre”, abate-se a realidade de
tudo que cerca o evento, a revolta contra a religião da Coroa portuguesa (deus
é julgado por causar tamanha catástrofe), e isso com adornos de orquestrações
bem feitas, sem mencionar a força de baixo e bateria, que dão o peso agressivo
necessário à banda, e é um dos melhores momentos do disco. Segue-se com a
estética um pouco mais densa e cheia de momentos Industriais (à lá “Sin/Pecado”) misturada com peso
abrasivo em “Abanão”. Um jeitão mais
pesado e cheio de passagens de teclados soturno relembra os “aftershocks”
(tremores menores que o evento principal que ocorrem depois deste) e fala sobre o questionamento a deus e
seus escolhidos, a culpa e omissão dos mesmos em “Evento”, com um belíssimo trabalho de cordas em ritmos não convencionais
(e que solos) e dos vocais (urros rasgados se fundem a sussurros sinistros),
além da presença da célebre frase “Enterram-se os mortos e cuidam-se os vivos”,
atribuída ao Marquês de Pombal. Melodias
à lá Metal tradicional se mesclam a corais de primeira em “1 de Novembro”, data do evento e que narra os esforços pela
reconstrução da cidade, mostrando ainda o medo das pessoas, e como as guitarras
e base rítmica estão bem por todas as nuances musicais que permeiam esta
canção. E este mesmo esforço ainda é narrado na bela e soturna “Ruínas”, falando das condições da
cidade após tremor, tsunami e incêndio, e a música em si é cheia de adornos
orientais e góticos, e mais um trabalho ótimo dos teclados e base rítmica. Mais
uma vez com o uso de uma introdução cheia de cordas dissonantes não convencionais vem
a grandiosa “Todos os Santos”, com
um andamento pesado e bem trabalhado, com partes mais agressivas e belos vocais
(inclusive “inserts” gregorianos), recordando a revolta das pessoas diante do
que se passara e da árdua tarefa de reconstruir Lisboa. E fechando, vem a versão personalizada e densa para “Lanterna dos Afogados”, do grupo Pop
brasileiro PARALAMAS DO SUCESSO, com
uma roupagem mais sinistra e pesada, em especial pelos vocais usando tons
agressivos, limpos e sussurrados, guitarras mais pesadas, base rítmica intensa
e teclados sinistros, que pode ser uma clara referência aos mortos pelo tsunami
que arrasou as áreas mais baixas de Lisboa. E para os que gostam das versões deluxe, esta tem uma versão de “Desastre”, que difere da original por ser cantada em espanhol.
A revolta direcionada à religião, clara em alguns momentos, representa a reflexão do povo com a ocorrência de tal catástrofe em uma festa
religiosa importante, e esta levará ao estado laico de hoje. Através do Marquês de Pombal, Portugal foi um dos
primeiros países a desenvolver tecnologia de construção eficiente contra sismos,
bem como (dito acima) lançou as bases da Sismologia moderna. E conforme o vocalista Fernando Ribeiro, o ano de 1755 marcou
o nascimento de um novo Portugal.
Aproveitemos que esta obra de arte este documento histórico
de Portugal, nos foi legado por uma banda de Metal, logo, ouçam “1755”, um dos grandes discos do MOONSPELL e um dos melhores lançamentos
do ano.
Avante, Lobos da Lusitânia, e conquistem o mundo!
Avante, Lobos da Lusitânia, e conquistem o mundo!
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