Ano: 2018
Tipo: Full
Length
Selo: Century Media Records
Importado
Tracklist:
1. The Cave
2. We Do
Not Resist
3. In
Propaganda
4. All
Knowing Eye
5. Yedidi
6. Chains
Fall to Gravity
7. Like
Orpheus
8. Poets of
Prophetic Messianism
9. Left
Behind
10. My
Brother’s Keeper
11. Take My
Hand
12. Only
the Dead Have Seen the End of the War
13. The Manifest - Epilogue
Banda:
Kobi Farhi - Vocais
Chen Balbus - Guitarras, saz
Idan Amsalem - Guitarras, bouzouki
Uri Zelcha - Baixo
Matan
Shmuely - Bateria, percussão
Ficha Técnica:
Jens Bogren - Mixagem, masterização
Metastazis - Artwork
Shlomit Levi - Vocais femininos
Steve Hackett - Guitarras em “Chains Fall to Gravity”
Hansi Kürsch - Vocais em “Like Orpheus”
Tomas
Lindberg - Masterização, vocais em “Only the Dead Have Seen the End of War”
Contatos:
Site Oficial: http://www.orphaned-land.com/
Twitter: https://twitter.com/orphanedland
Bandcamp:
Assessoria: Arne.Jamelle@centurymedia.de (Europa) / kelly@rightanglepr.com (EUA)
E-mail:
Texto: Marcos “Big Daddy” Garcia
Antes de qualquer
coisa, é necessário que o leitor tenha paciência. Esta não é uma resenha comum,
e é preciso uma longa introdução.
Em termos de ciência e história, não se pode negar o quanto
o filósofo grego Platão (428/427 A.C. - 348/347 A.C.) é
importante para a formação e canonização de todo o conhecimento que temos nos
dias de hoje. E um de seus maiores legados ao homem é a Alegoria da
Caverna, e pode ser encontrada em “A República”. Nessa
antiga experiência mental, Platão demonstra
que uma pessoa criada nas trevas da ignorância e induzida constantemente ao
medo (dentro da caverna), se um dia confronta aquilo que o atemoriza (uma nova
realidade e a chegada do conhecimento), sai ignorância e chega ao conhecimento
(fora da caverna), mas sofre conflitos e dúvidas durante o processo (os olhos
doem pela luz). E se este tenta voltar e ajudar os companheiros de cativeiro na
ignorância (aqueles que nasceram e foram criados nas trevas da caverna
juntamente com o que fora libertado), estes tenderão a não reconhecer o triste
estado em que se encontram e culparão o conhecimento (luz) por aqueles efeitos
nocivos que veem no liberto (agora ele mal pode enxergar nas trevas), e assim,
lutarão para permanecer na ignorância e matarão aqueles que tentam livrá-los das
ilusões em que vivem.
Sócrates |
Muitos atribuem a Alegoria
da Caverna à experiência de Platão
ter testemunhado o próprio mestre, Sócrates (outro que muito contribuiu para tudo que
temos em termos de ciências nos dias de hoje), o grande filósofo grego que
trouxe o conhecimento a tantos, que livrou tantos da escuridão da caverna, teve
contra si os ignorantes.
Sócrates foi
acusado 3 crimes:
1. Não acreditar nos costumes e nos deuses gregos (acusação
que visa manter status quo religioso e o conservadorismo tradicionalista);
2. Unir-se a deuses malignos que gostam de destruir as
cidades (mais uma permeada por conteúdo religioso e poder político temporal);
3. Corromper jovens com suas ideias (nesta, é clara a manutenção do status quo da ignorância, pois é nos jovens esclarecidos que residem a esperança de um mundo melhor no futuro).
Os acusadores: Ânito (que
faz parte da classe dos políticos, por ser rico e representar os interesses
dos comerciantes e industriais, além de ser poderoso e influente em Atenas), Meleto (poeta
trágico desconhecido, foi o acusador oficial, embora nada exigisse que ele, como
acusador oficial, fosse o mais respeitável, hábil ou temível, mas somente aquele
que assinava a acusação, representava a classe dos poetas e adivinhos) e Lícon (retórico
obscuro e o seu nome teve pouca importância e autoridade no decorrer da
condenação de Sócrates, e
representava a classe dos oradores e professores de retórica). Por trás de cada
um, interesses pessoais escusos na condenação de Sócrates. Dado o veredicto de culpado (exílio ou morte), o sábio mestre, por sua
vez, preferiu a morte a ser exilado com a língua cortada (o que seria feito para que ele não mais seduzir as pessoas com suas ideais), bebendo cicuta diante de seus discípulos e
amigos.
Dr. Martin Luther King |
Alguns poucos queriam sua morte por interesses pessoais, o povo
alienado segue estes pedidos como se fossem ordens e clamam por sangue, e o sábio mestre, portador
da luz do conhecimento, morre. Uma Luz se apaga..
Se pararem para pensar, já não vimos esse mesmo tipo de
coisa ocorrendo na história da humanidade desde que os primeiros relatos
passaram a ser escritos?
Um exemplo: para aqueles que leram alguma vez na vida os
livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio,
contidos na Bíblia, quantas e quantas não foram os momentos o povo de Israel,
em sua jornada do Egito (de onde haviam sido libertos) até a Terra Prometida,
não reclamou se levantou contra seu líder, Moisés, querendo voltar
à servidão de onde haviam saído?
Ou seja, quantas vezes quiseram retornar para as trevas da ignorância servil? A
liberdade plena e o conhecimento demandam esforços, exigem que saiamos das
nossas zonas de conforto todos os dias.
Nesse sentido, se pode compreender os motivos que levaram homens como Mahatma Ghandi, Dr. Martin Luther
King, o Jesus histórico, Muhammad Anwar el-Sadat,
John F. Kennedy, Yitzhak Rabin, e mesmo Antônio Conselheiro e tantos outros, à morte: somos incapazes de sair das trevas da ignorância e abraçar o
conhecimento, e dessa forma, criarmos um mundo melhor e pacífico. Podemos dizer
que eles são Profetas não ovacionados pelo povo e Messias mortos pela nossa
omissão.
Ainda mais profundamente, reparem em quanto ódio é visto
nas notícias internacionais, nacionais e mesmo nas redes sociais, na
resistência belicosa contra o conhecimento.
Preferimos nos alienar na escuridão da ignorância na caverna à encarar a Luz do conhecimento que ilumina e aquece o mundo real.
Mahatma Gandhi |
Outros excelentes exemplos em termos de Brasil são os
pedidos de muitos por uma novas intervenção militar após o fracasso dos últimos governos democratas,
a ausência de batucadas em panelas contra os desmandos do atual governo
federal, e mesmo o ódio contra a comunidade LGBTQ+, contra os afrodescendentes,
mulheres feministas e outros... Culpamos uns aos outros de crimes e nos odiamos mutuamente, muitas vezes sem motivos e sem que compreendamos as raízes desse mal. Odiamos
quem tenta nos conscientizar que existem possibilidades melhores.
E detalhe: NÓS NÃO RESISTIMOS AO ÓDIO, não fazemos oposição real à ignorância, apenas nos omitimos ou assimilamos os sentimentos, travestindo-o como algo nobre... E não nos opondo, nos tornamos cúmplices de tanto sangue derramado... Preferimos e falar (bem ou mal) de celebridades insossas do mundo moderno pelas redes sociais a entender quem foram Sócrates ou Platão e o que eles nos legaram; sabemos mais de reality shows e seus participantes do que sobre ciências e tristes fatos que ocorrem nesse momento pelo mundo e demandam nossa atenção!
Ainda estamos presos à caverna e às trevas!
E detalhe: NÓS NÃO RESISTIMOS AO ÓDIO, não fazemos oposição real à ignorância, apenas nos omitimos ou assimilamos os sentimentos, travestindo-o como algo nobre... E não nos opondo, nos tornamos cúmplices de tanto sangue derramado... Preferimos e falar (bem ou mal) de celebridades insossas do mundo moderno pelas redes sociais a entender quem foram Sócrates ou Platão e o que eles nos legaram; sabemos mais de reality shows e seus participantes do que sobre ciências e tristes fatos que ocorrem nesse momento pelo mundo e demandam nossa atenção!
Ainda estamos presos à caverna e às trevas!
A Alegoria da
Caverna, no fundo, tem por ideia demonstrar “o efeito da educação e a falta
da mesma em nossa natureza”, o quanto ela é uma ferramenta preciosa. Mas
observando pelo lado discorrido até agora, percebe-se que Platão não
só se mostrou um filósofo excepcional, mas sua figura ganha contornos de um
profeta, e pararmos para refletir que a Alegoria da Caverna foi escrita há mais de 2500 anos, mas mostra a atualidade do mundo, é uma profecia para nos prevenir do mal!
E esta longa introdução é para que o leitor compreenda um
pouco do que é o conceito que permeia “Unsung Prophets & Dead
Messiahs”, sexto e mais recente disco do quinteto Israelita ORPHANED
LAND.
Muhammad Anwar el-Sadat |
Para os fãs de longa data, fica a pergunta: como a banda
está soando agora, após a saída do guitarrista Yossi Sassi, um dos
membros fundadores, em 2014?
Sendo o mais direto possível: muito pouca coisa mudou musicalmente.
A banda continua fazendo o estilo que eles criaram nos anos
90, o Oriental Metal, que nada mais é que a fusão do Metal com influências de
Death Metal, Doom Metal e mesmo outros gêneros do Metal com melodias e a estética de vários ritmos regionais
do Oriente Médio. O que é notável é que a banda retomou algumas influências
de “Mabool” e “The Never Ending Way of ORwarriOR”,
como o uso de vocais mais agressivos e algumas melodias mais secas, mas
mantendo as orquestrações grandiosas, vocais femininos, corais operísticos e
estética elegante de “All is One”. Mas ao mesmo tempo, existem
arranjos musicais mais dinâmicos e alguns momentos melancólicos e/ou soturnos, justamente para
criar uma ambientação densa e perfeita para o trabalho lírico do disco.
Construir uma sonoridade para “Unsung Prophets
& Dead Messiahs” não foi um trabalho simples, como se repara em
repetidas audições. Existem múltiplas camadas que necessitaram ser encaixadas
perfeitamente, e muitos instrumentos diferentes a serem colocados lado a lado, sem se sobreporem.
A produção é do próprio quinteto, tendo o gênio Jens Bogren na
mixagem e Tomas Lindgren na masterização. Seja nos momentos
mais pesados e intensos, nos mais agressivos ou nos mais introspectivos e
suaves, tudo ficou perfeito, equilibrando limpeza e agressividade, peso e
melodias. Tudo foi levado em consideração, meditado e então feito.
Itzhak Rabin |
Outro ponto a ser ressaltado é a arte gráfica. Usando tons
mais claros que o costumeiro no gênero, a ambientação visual cria uma atmosfera
perfeita para as canções, sendo que a capa deixa claro todo o contexto lírico
do quinteto. Fica clara a referência que a caverna é mantida por poderes temporais, envolvendo todo o mundo. Mas que a sabedoria e o conhecimento são o punho da resistência, da libertação.
Musicalmente mais denso e introspectivo que “All is
One” (que tinha uma ambientação mais acessível), “Unsung Prophets
& Dead Messiahs” é complexo, mas não é tão difícil de ser
assimilado em poucas audições. O ORPHANED LAND continua sendo
ousado e criativo dentro do estilo que criou para si, sabendo fazer belos
contrastes musicais. Curiosamente, existem vários “point blanks” no disco (aqueles
os famosos bips da censura que surgem em músicas e programas de TV quando
alguém fala um palavrão), em várias canções, que são propositais e ali estão em
uma forma de autocensura da banda, para criar uma ideia de quem nem tudo pode
ser dito, pois poderia destruir a caverna de muitos. Além disso, a mensagem da banda se tornou universal, pois ela fala a todos nós com clareza enorme.
Falar sobre cada canção de “Unsung Prophets & Dead Messiahs” se faz necessário. A obra como um todo merece isso, pois cada uma delas é uma joia preciosa.
Falar sobre cada canção de “Unsung Prophets & Dead Messiahs” se faz necessário. A obra como um todo merece isso, pois cada uma delas é uma joia preciosa.
O disco abre com a longa e trabalhada “The Cave”,
onde existem contrastes de momentos mais amenos e melancólicos com outros mais
agressivos (mostrando um ótimo trabalho dos vocais, guitarras muito boas e
corais bem encaixados), e se percebem várias citações, entre eles, uma de
Platão, que é “Podemos facilmente perdoar uma criança que está com medo da escuridão;
a real tragédia da vida é quando os homens estão com medo da luz”, já
que a letra lida com a Alegoria da
Caverna em si.
Segue-se com os vocais extremados e clima harmonioso
de “We Do Not Resist” (os timbres vocais variam bastante, de
um gutural inteligível para limpas vozes envolventes), e fica evidente o teor lírico
(onde é claro que preferimos dar atenção a fofocas e celebridades descartáveis
todos os dias que saber da verdade triste de muitos, como as 70000 crianças que
são sequestradas todos os anos na Índia).
Profeta Jeremias |
Em “All Knowing Eye”, tem-se uma música mais
amena e melancólica com muitas partes acústicas (embora surja um crescendo de
metade dela até o final, todo com instrumentos elétricos), além de belíssimos
vocais femininos contrastando com a voz limpa de Kobi (e que
belos solos de guitarra). A música é uma lamentação (bem semelhante ao linguajar triste e melancólico usado
pelo profeta Yirmeyahu, ou Jeremias, em seus oráculos) pelos
profetas e messias que foram mortos por tentaram nos ajudar.
Totalmente feita em ritmos regionais é “Yedidi”,
que apesar de ser mais simples, mostra um trabalho refinado de baixo e bateria,
sendo que esta é uma adaptação de uma composição por Judah Halevi (1075
-1141), poeta espanhol de origem hebraica (celebrado como um dos grandes poetas
hebreus tanto por seus poemas religiosos e/ou seculares) e que foi morto pouco
depois de chegar à Terra Santa, ao antigo Reino Latino de Jerusalém
(culturalmente, se diz que ele foi atropelado por um cavaleiro árabe enquanto pronunciava
uma sionida às portas da cidade).
A bela e melodiosa “Chains Fall to Gravity” vem em seguida com certo toque de
melancolia e mesmo alguns toques de Rock Progressivo e orquestrações sinfônicas
para adornar as melodias orientais, e de quebra, a participação de Steve
Hackett, guitarrista do GENESIS, nos solos (retribuindo a
participação de Kobi em seu último disco solo, “The
Night Siren”). Nela, se percebe o processo de quem sai da caverna e é
iluminado, e em como essa pessoa se torna um novo Profeta/Messias para a humanidade, e certos trechos
parecem identificados com a linguagem profética de Yešayahu (o profeta Isaías).
Profeta Isaías |
Misturando peso, sólidas melodias, corais e partes
orquestradas, vem “Left Behind”, uma canção onda Uria e Matan estão
criando uma base rítmica bem sólida e com boa técnica. A letra versa sobre os
que permanecem na caverna, mas que desejam se libertar de sua condição de
ignorância, da condição de medo e tormentos. O deslumbre do testemunho do Profeta/Messias os faz ansiar por uma nova vida.
Janusz Korczak |
Tons orientais progressivos se fundem a passagens harmônicas densas e
com declamação quase sussurrada das letras em “My Brother’s Keeper”.
A letra fala do sentimento do profeta que o leva a voltar e tentar ajudar os
outros. E “Não existo para ser amado ou admirado, mas para amar e agir. Não é
tarefa dos que estão à minha volta me amar. Pelo contrário, é minha tarefa ser
preocupado com o mundo, como o homem”, citação de Janusz
Korczak (22/07/ 1878 ou 1879 - 05 ou 06/08/1942), famoso médico e
pedagogo Polonês de origem hebraica, precursor das ideias de direitos das
crianças e do reconhecimento da igualdade plena das crianças que conhecemos nas
Escolas Democráticas dos dias de hoje. Foi assassinado juntamente com seus educandos no campo de
concentração de Treblinka. Poderia ter se salvado fugindo, condição que lhe fora dada no mínimo duas vezes, mas não quis
abandonar as crianças e funcionários de seu orfanato.
Mostrando melodias orientais mixadas a partes orquestrais e
com belas guitarras, vem a longa e sinuosa “Take My Hand”, uma das
canções mais empolgantes. Aqui, é narrada pregação do Profeta/Messias que visa arrancar as
pessoas da escuridão, onde ele clama para que segurem sua mão e ele possa guia-los
para um mundo de luz (conhecimento).
George Santayana |
Víctor Jara |
Se os leitores não perceberam, cada uma das figuras históricas citadas na resenha são Profetas muitas vezes anônimos e Messias mortos pela sede de poder, riqueza e outros que desejam que os homens permaneçam na cegueira escura da caverna. Ou mesmo dos próprios ignorantes que desejavam permanecer em sua zona de conforto, pois toda mudança em direção ao conhecimento demanda esforços e sacrifícios.
Jesus histórico |
Como a mudança de comportamento para com as crianças, entendendo que elas são seres humanos...
Como a oposição a um tirano sangrento, pois o medo escraviza...
Como a aceitar as pessoas como boas, independente de etnia, sexualidade ou outros, pois todos somos humanos...
Como se opor aos interesses da indústria armamentista, e fazer cessar os rios de sangue que inundam o mundo...
Como buscar a compreensão entre inimigos históricos, que muitas vezes nem sabem mais os motivos de sua luta...
Como promover a Luz do conhecimento que dissipa a escuridão da ignorância...
A mensagem de “Unsung Prophets & Dead Messiahs” é
clara, e apesar do teor denso e melancólico, é um chamado para todos. A
esperança ainda brilha... Os Profetas e Messias iluminados pelo conhecimento ainda nascem entre nós. Basta ouvi-los em seus sermões, e a ignorância e escravidão imposta por mídia, políticos, religiões e outros irão cessar. Abrace sua liberdade, pois ela é sua.
No mais, o ORPHANED LAND lança mais um
disco que é forte candidato a se tornar um clássico do Metal no futuro, e já é
um dos grandes discos do ano. Talvez seja um dos grandes discos dos últimos 20 ou 30 anos.
“Aquele que desejar mudar o mundo deve começar mudando o
sistema de educação” (Janusz Korczak).
“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal,
mas por aqueles que os observa sem fazer nada” (Albert Einstein).
Nota: 100+%
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