terça-feira, 19 de setembro de 2017

Sobre as artes e o livre pensamento - Ou porque não aceitar a censura


Por Marcos “Big Daddy” Garcia


Desde que me entendo como ser humano, as artes sempre estiveram presentes de alguma forma. Fosse pela música, desenhos, ou mesmo documentários que assistia quando era muito jovem. Creio que todos, de uma forma ou de outra, temos a arte ao nosso redor por toda a vida.

Mas qual a definição de “arte”?


Segundo a Wikipedia, arte (do latim ars, significando técnica e/ou habilidade) pode ser entendida como a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética ou comunicativa, realizada por meio de uma grande variedade de linguagens, tais como: arquitetura, desenho, escultura, pintura, escrita, música, dança, teatro e cinema, em suas variadas combinações. O processo criativo se dá a partir da percepção com o intuito de expressar emoções e ideias, objetivando um significado único e diferente para cada obra.

Desta forma, percebemos que as artes estão presentes em situações e formas que não nos cabe dentro de meros conceitos simplistas. Arte é arte, e se justifica por ela mesma.

Mas porque enfoco essa questão?

Simples: desde a exposição “Queermuseu” e as polêmicas relacionadas, não só uma discussão de proporções enormes tem tomado as mídias sociais, causado discussões ásperas e expondo muitas feridas e preconceitos que as pessoas carregam, mas ao mesmo tempo, mostram que as pessoas estão mais carregadas de preconceitos fúteis, que nem deveriam existir.

Não vou negar que algumas imagens me sobressaltaram de primeira, já que sou fã declarado (em termos de pintura, arquitetura e escultura) do movimento renascentista, e não me dou muito bem com a arte moderna. Isso é apenas uma opinião, logo, sem sermões. Mas tão pouco faria o alarde que vi de muitas pessoas de cunho conservador. O que me irrita é sempre o confronto de quem defende e de quem ataca, especialmente quando as mídias sociais viram campos de batalhas ideológicas.

Nas gravuras, as acusações de pedofilia, zoofilia e outras filias que queiram poderiam ter motivação? Sim. Mas também não poderia ter absolutamente nada. A arte é, muitas vezes, subjetiva, logo, depende do ponto de vista de cada pessoa. Você pode ver algo que te ofenda, outros não.

O que eu discordo: a censura das exposições. Isso eu nunca vou aceitar em hipótese alguma.

Se não quer ver, fique em casa, leia um bom livro (embora livros sejam formas de arte).

Ah, fala por seus filhos? Mas desde quando um artista, um curador ou mesmo o Estado precisam dar educação a eles? Os próprios conservadores alegam que desejam educar os filhos por eles mesmos, logo, como podem jogar o ônus da própria decisão nas costas alheias?

Óbvio que o leitor vai querer saber onde o Metal e o Rock entram nisso.

Antes de tudo: Metal e Rock são formas de música, logo, é um tipo de arte, e bem provocativa. Degenerada, até (em um contexto artístico). Logo, se você ouve qualquer vertente do Metal ou do Rock, como pode querer censurar o trabalho alheio? Quer ser visto como o “good boy” quando lhe convém?


Esteticamente falando, o Metal, tal como as exposições artísticas mencionadas (e censuradas pela bancada evangélica), é provocador. Um de seus primeiros hinos, “Black Sabbath” do nosso querido “Founding Father” BLACK SABBATH usa o trítono que conhecemos como “Diabolos in Musica”, condenado pela igreja nos tempos medievais. Óbvio que a intenção da banda não era causar alardes, apenas fez o uso e pronto (e de acordo com as biografias, foi algo espontâneo, não intencional, tanto que o próprio Tony Iommi nem sabia das estórias por trás do trítono). Ainda falando no nome do BLACK SABBATH, creio que eles e o IRON MAIDEN já foram citados tantas vezes como “música do diabo” justamente por fazerem parte de uma forma de arte que é “ofensiva” aos valores morais de alguns. Estranho que letras, capas e músicas ofendem pessoas adeptas de religiões de cunho cristão, mas a corrupção política provada de membros de suas igrejas enquanto eleitos, não.

Ainda sobre sua moralidade religiosa: pare de usar isso como escudo para seus preconceitos. Sua religião, sua fé, é uma escolha sua. SUA, e somente sua. Assim sendo, nenhuma outra pessoa tem a obrigação de seguir o que você acha correto para sua vida. E ninguém deve legislar sobre a vida de outros, apenas a própria.

Voltando à arte no Metal e no Rock, lembro do DEAD KENNEDYS ter passado um problema sério nas mãos do PMRC (Parental Musical Resource Center), órgão criado pelas “esposas de Washington” e liderado por Tipper Gore (ex-esposa do senador Democrata Al Gore) por conta da capa do CD “Frankenchrist”. A capa é mais uma das artes do famoso H. R. Giger, chamada “Landscape #XX”, sendo que o artista é uma figura bem conhecida no meio Metal. E acreditem: não foi algo pequeno, mas a banda venceu a ação, embora tivesse que trocar a capa do disco (a original virou pôster), e encerrasse as atividades pouco depois (o que não foi causado pelo PMRC). Veja ambas abaixo.

Capa de "Frankenchrist"

Capa original de "Frankenchrist", o famoso painel "Landscapes #22", de H. R. Giger.

Uma matéria muito interessante que vi no site Interdependente explora bem uma coisa: nós, Metalheads, vivemos em um meio onde as artes das capas são pura subversão. Logo, por que a exposição “Queermuseu” causou tanta indignação nos Metalheads? Não faz sentido!


Não entendo como as pessoas podem ser tão puritanas dessa forma imersas em um meio onde a arte é subversiva. Lhes garanto que o deputado Bolsonaro iria pedir seu sangue se visse você em poder de qualquer artefato desses, bem como a bancada evangélica pediria sua execução em uma praça pública, com uma fogueira digna de Joana D’Arc!

Ah, falemos então da arte sacra...

Antes de mostrar algumas referentes ao Metal, vocês por um acaso conhecem o trabalho do famoso artista Michelangelo? Sim, o autor os afrescos que se encontram na capela Sistina no Vaticano. É um festival de nus, pênis para todos os lados, peitinhos e outros. E falo novamente: artes retratando momentos religiosos! E não só Michelangelo fez uso desse tipo de apelo.

A Criação do Homem, de Michelangelo. Eis uma das artes presentes na capela Sistina, e Adão com os bagos de fora...

"A tentação e a Expulsão". Todo mundo peladão!
Se a arte de Jesus com muitos braços ou a da Madonna com um filhote de macaco nos braços te incomodaram tanto, bandas como MARDUK, VITAL REMAINS e ARCHGOAT possuem capas de fazer seus cabelos ficarem em pé!

Capa do EP "Fuck Me Jesus", do MARDUK.

Capa de "Heavenly Vulva (Christ's Last Rites)", do ARCHGOAT

Capa de "Icons of Evil", do VITAL REMAINS

Design para camiseta "Christrapping Black Metal", do MARDUK (arte por Kris Verwimp)

Design para a camisa "Slay the Nazarene", do MARDUK (arte de Kris Verwimp)

Ah, você falou em incitação à pedofilia? Sabia que em “Abigail II: The Revenge”, de KING DIAMOND, Jonathan La Fey estupra Abigail?  Ou já viu a capa de uma banda chamada PURULENT? Olhe a capa de “Garavito’s Pedophilia Tales”, e veja sua “santificação” do Metal ir por água abaixo. Até o KORN fez referência a isso. Acredito que todos tenham uma visão negativa quanto à pedofilia, mas como eu sempre digo: a maldade está nos olhos de quem vê, e como a arte é subejtiva...

Capa de "Garavitos Pedophilia Tales", do PURULENT.

Capa do primeiro disco do KORN.


Ah, o estímulo à zoofilia? Quem conhece bem o Metal, já cansou de ver capas onde bodes estão fazendo sexo. É algo muito repetitivo, até.

Logomarca do selo Terratum Possessions. E eis o cramulhão transando com uma cabra.

Este autor se focou nas questões de pedofilia e zoofilia pois foram as maiores alegações em favor da censura das exposições. As outras foram uma do artista brasileiro-catalão José Zaragoza em Brasília, chamada "Não Matarás", na qual membros da bancada evangélica (partidos DEM, PSC e PRB, inclusive com a presença de Marco Feliciano) foram averiguar uma denúncia feita por uma mãe por meio do WhatsApp.

Estranho quererem fiscalizar uma exposição de artes, mas não fiscalizam o poder Executivo (denunciado por corrupção por duas vezes), e ainda se dizem ocupados demais!

Haja paciência!

A outra foi a apreensão da pintura "Pedofilia", da artista Alessandra Cunha, que tinha 31 trabalhos expostos. A obra sugere uma menina cercada por duas figuras masculinas nuas. A exposição era recomendada para maiores de 18 anos, como informava um cartaz. 

"Pedofilia", de Alessandra Cunha (fonte: Estadão)

Ou seja, é a mesma coisa que você estar em um cinema com censura 18 anos, onde só tem pessoas acima da dita faixa etária, e um cara investido com o Poder Público vem, sem mais nem menos, parar a exibição do filme! De que adianta o raio da limitação de faixa etária? E se há um menor dentro da exposição, ele que deve ser retirado e os pais responsabilizados legalmente!

Eu ainda lembro dos males do Regime Militar, sei de pessoas que desapareceram e nunca mais foram vistas. O motivo: pensar diferente. E não, não é porque a pessoa é de direita, esquerda, liberal, anarquista, ou seja o raio da opção política que tenha que merece isso. Ninguém merece morrer por pensar de uma forma que outros não concordem, ninguém!

Vemos e sabemos todos os dias de discos e artistas ligados ao Metal que sofrem censura ou ataques. Há países em que os discos do CANNIBAL CORPSE não podem ser vendidos, e nunca esqueço do "bolsomito" russo atacando Helmut, do BELPHEGOR, no aeroporto.

Refrescando sua memória, eis o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=METmVJhy-Is


Não, este autor não está dizendo que o Metal tem algum tipo de vertente política por natureza. E muito menos é politicamente correto. Mas o maior ensinamento é: seja livre. Sim, livre de regrinhas e dogmas no underground, mas ao mesmo tempo, que não se identifique no cara que te abraça e beija em tempos de eleição, mas que te cospe na cara depois de eleito. E a famosa "bancada evangélica" com essa mania de "brasil para je$u$" já deu no saco. Nem jesus ou outra divindade que seja, pois o país é laico, conforme narrado em sua Constituição Federal.

E não, não estou dizendo para bater palmas para algo que não gosta. Estou dizendo apenas para não falar do que não compreende, não culpar um artista por sua visão distorcida da arte. Não culpar outros porque você tem ódio de tudo que é diferente, mas que de forma alguma lhe diz respeito.

Encerrando, deixo-os refletindo nas palavras de nossa Constituição Federal de 1988, que narra sobre a liberdade de expressão:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

V - o pluralismo político.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

No mais, torno a dizer: não concorda, não vá. Não gosta, não critique. Não entende, não opine.

Nenhuma forma de arte pode ser castigada e censurada porque você não gosta/concorda/entende...

P.S.: Peço desculpas por não ir tão aprofundadamente na questão aos intelectuais da área. Apenas viso contribuir para o maior esclarecimento de todos...

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